Quanta ironia no caso de Honduras. Finalmente se chegou a um acordo (veja os principais pontos aqui). Em suma: não haverá mais reforma da constituição e o Congresso e a Suprema Corte vão decidir o destino do Zelaya.
Pra quem não se lembra, o estopim da crise foi o fato de o presidente Zelaya ter contrariado o Congresso e a Suprema Corte por conta de uma reforma constitucional que, acredita-se, seria para que ele pudesse se reeleger.
Golpe ou destituição? Não vou entrar nesse mérito. O fato é que, depois de todo o rolo, o que o Zelaya conseguiu? Conseguiu não fazer a reforma que queria e, de quebra, ainda ter de aceitar o poder do Congresso e da Suprema Corte em selar seu destino.
Em condições normais, um presidente respeitar a constituição (no caso da hondurenha tentar se reeleger é desrespeitá-la),a Suprema Corte e a ordem jurídica estabelecida é condição normal de um regime democrático.
Zelaya desafiou isso tudo e acabou, no fim das contas, tendo de aceitar a lei. A oposição desafiou a memória coletiva ao dar um golpe branco ‘democrático’ no país. No fim das contas, vai ter de aceitar o presidente eleito.
Não vejo nenhuma saída mais democrática.
Portanto, essa crise de Honduras deixou um recado claro para os países da América Latina: não adianta querer tirar presidente eleito do poder no meio da madrugada de pijama com uma garrucha na orelha. Para os presidentes saidinhos, nem vem que não tem, democracia é aceitar as regras do jogo e não desafiar os poderes estabelecidos. Se não quer, fique em casa e não entre para a política.
Mas o que saiu mais queimado nessa história foi o Brasil.
Entrou no olho do furacão, deixou o Zelaya deitar e rolar na embaixada e fazer uso político dela. Foi acusado de ingerência, prepotência e tudo mais. E no fim, o que conseguiu? Perdeu toda a legitimidade que tinha para tentar mediar a crise, uma vez que o governo interino não aceitou o Brasil nas conversas.
E aí? E aí que o mundo é dos espertos. Os Estados Unidos foram lá e resolveram o problema! Costuraram um acordo que levou a uma saída democrática, mandaram o recado para os outros e, de quebra, ainda se reaproximaram da América Latina, tentando desconstruir a imagem de um financiador de golpes e ditaduras para um restaurador da ordem democrática. Ainda vão acompanhar as eleições em novembro, mantendo a posição que tinham em Honduras (aliado histórico) antes do rolo.
O Brasil não poderia ter se saído pior. Mais uma trapalhada da nossa Política Externa Independente new age da liga do sul. Quero só ver quem é que vai respeitar agora.
Mas o pior mesmo vai ser ouvir daqui uns dias o governo dizendo que seu papel foi preponderante para a restauração da ordem em Honduras. Se bem que, façamos justiça, se Zelaya estivesse fora do país talvez não tivesse havido acordo. Mas os fins não justificam os meios. O que foi feito com a embaixada e a ‘atuação’ nada precisa do Brasil só causou problemas.
Conclusão: Zelaya vai continuar presidente, sem direito à reeleição, submetido às leis e à constituição e o Brasil continua queimado em termos de política externa.
Nada mudou.