[Pessoal, este post (enviado no dia 23/02/2009) é de autoria do Erlon Faria Rachi, um dos primeiros a acompanhar nosso blog e que será o primeiro dos nossos leitores a fazer um post aqui! Se você também quiser fazer um post, envie para [email protected] Boa leitura a todos. Valeu, Erlon!]
Busco oferecer algumas idéias sobre a Ásia, dentro de um contexto ‘maior’ de política externa do Brasil. O Afeganistão atual oferece uma oportunidade interessante para nossa ação global.
Abstraindo a questão da segurança física, podemos contribuir em vários aspectos para uma melhor sociedade no Afeganistão, principalmente no que se refere à construção de alternativas econômicas naquele país.
O Afeganistão é uma catástrofe ambiental, econômica e social.
Desde o período da retirada soviética, a extração vegetal foi incentivada como sendo uma alternativa econômica, como resultado, hoje existe apenas 2% da cobertura florestal existente por volta da década de 70.
A agricultura afegã é extremamente dependente de irrigação, que carreia as águas das geleiras montanhosas para os campos secos dos vales. Estima-se que 95% da rede de irrigação existente antes da invasão soviética tenha sido destruída.
Há carência de eletricidade de forma generalizada, tanto devido à destruição de linhas de transmissão de energia, como pela destruição de barragens.
A mortalidade infantil é assustadora, com crianças vítimas de doenças simples. Tal problema existe aqui também, mas se os afegãos atingirem índices como aqueles verificados no Piauí, já seria um avanço absurdo.
A caprinocultura é importantíssima no Afeganistão, mas a produtividade é baixa, a renda dos criadores é mínima.
O país é fragmentado em diferentes etnias, grupos políticos, religiosos, grupos armados liderados por ‘senhores da guerra’ locais.
Nenhum desses grupos se sente integrado ao país.
A lealdade desses grupos é restrita às comunidades locais, nenhuma delas se sentindo plenamente amparada pelo governo central (muito pelo contrário, o vêem como uma ameaça). Esta fragmentação possibilitou a vitória de guerrilha durante a ocupação soviética, mas inviabilizou o estado afegão como um todo.
O Brasil tem MUITO a contribuir para isso.
Primeiramente, como ator político isento no conflito.
Não temos absolutamente nada a ver com a bagunça que trouxe o Afeganistão até aqui. Poderíamos construir ‘pontes’ entre os diferentes grupos locais, entre as forças da OTAN, e outros países com visões conflitantes sobre o Afeganistão.
China, Paquistão e Índia se ‘enfrentam’ em ‘proxi-wars’ naquela região, bem como na Caxemira. Podemos trazê-los à mesa também, pois possuímos excelentes relações com os três.
Nosso modelo de democracia (pasmem) seria o ideal para a região: fragmentado, exigindo amplas coalizões e consenso para governar, com um sistema judiciário relativamente independente. Nosso modelo dá garantias para as minorias políticas e religiosas. É integrador, mantém os poderes das oligarquias regionais, permite mobilidade social.
NOTA: Para aqueles que acham o PMDB corrupto, e eu me incluo entre esses, vocês não tem uma idéia do que é o governo Karzai… os PMDBistas são até ‘pudicos’ comparados com a sem-cerimônia com a coisa pública lá)
Possuímos empresas e tecnologia para auxiliar a recuperação da agricultura afegã: As tecnologias da EMBRAPA para o semi-árido nordestino (únicas no mundo) seriam um bálsamo, tanto para a caprinocultura como para o reflorestamento.
Temos grandes grupos de construtoras, empreiteiras e empresas de engenharia que poderiam aproveitar-se de contratos de reconstrução de estradas, pontes, aquedutos, sistemas de irrigação, transmissão de energia elétrica.
Adquirimos uma interessante experiência internacional em ‘nation building’ no Timor Leste e no Haiti. Creio que poucos países no planeta têm um histórico tão positivo nesta área. Estes dois países, entretanto, estavam ‘abaixo do radar’ americano e, portanto são experiências com fundos limitados e poucas oportunidades de ganho econômico para nossas empresas.
Pela ‘desimportância relativa’ destes dois países no cenário mundial, nosso status internacional não foi aumentado na medida dos sucessos que estes dois países obtiveram, porém aprendemos ‘in loco’ lições importantíssimas.
No Afeganistão o ‘budget’ americano é imenso. Na proposta orçamentária do Obama para o ano fiscal de 2009 que se inicia em outubro, a verba do pentágono será desviada para o departamento de Estado, que coordenará esforços como os que eu descrevi acima.
Os americanos estão desesperados por apoio político para EXECUTAR esta agenda, especialmente porque é difícil encontrar parceiros confiáveis para isso (os europeus estão lá sob a bandeira da OTAN e poderiam ser vistos como ‘inimigos’ por insurgentes).
Para os americanos, o momento atual é de reflexão sobre o que fazer.
O enviado especial Holbrook está ouvindo as partes sobre como reestruturar a ação americana: de ações de guerra para ações de contra-insurgência e desenvolvimento econômico. Ele está ouvindo Paquistão, India, Russia, Turquia, Irã, Indonésia.
Deveríamos sentar-nos para conversar com ele.
Não acredito que possamos implementar esta estratégia de ‘parte neutra’ sozinhos. Penso que devamos envolver a Indonésia nisto também. Mas creio que precisamos LIDERAR este esforço CIVIL e POLITICO com objetivos claros de benefício ECONOMICO para nosso país e nossas empresas.
Este é o século da Ásia. Se quisermos ser um dos pólos de poder mundial nas próximas décadas, temos que nos posicionar (e participar) de ações naquele continente.
Jamais ganharemos projeção internacional lidando somente com Equador, Paraguai, Bolívia, Venezuela ou mesmo Argentina, nem mesmo construindo uma grande união sul-americana.
Sem desmerecer estes países, mas hoje eles já são ‘de-facto’ eclipsados pelo Brasil. Ao nos projetarmos na grande cena internacional reforçaremos MAIS AINDA esta condição de nossos vizinhos.