
Certa feita, o sociólogo francês Raymond Aron sentenciou “Guerra improvável, paz impossível”, frase esta que resumia a Guerra Fria. A improbabilidade da guerra pela elevada capacidade de destruição do mundo, em decorrência das armas nucleares, e a impossibilidade da paz por causa do temor e apreensão que tais armas geravam. Todavia, ecos de Aron ainda percorrem o sistema internacional em meio ao lirismo de Obama de um mundo livre de armas e a necessidade vital norte-americana de prosseguir com a “guerra ao terror”, reiterada na estratégia nuclear lançada na semana passada. Nem guerra, nem paz com os terroristas.
Uma das lições mais custosas da história, oriunda do ultrapassado conflito bipolar, é que quanto maior os arsenais nucleares, menor a perspectiva do seu uso. Tornar o mundo livre dos mesmos converteu-se agora no desafio do presente e na esperança do futuro. Em Praga, no ano passado, Obama lançou as sementes do pensamento em prol do desarmamento. Na semana passada, acordou com a Rússia a redução de 1.550 ogivas nucleares, e nesta segunda, a Ucrânia se comprometeu a se desfazer de material atômico nos próximos dois anos durante o evento mais pop do momento: a Cúpula de Segurança Nuclear, que se realiza em Washington sob a iniciativa do presidente norte-americano.
Participam do evento líderes de 47 países, com a ambição de aprofundar os esforços contra o terrorismo, ou melhor, com o objetivo de assegurar que armas nucleares não caiam nas mãos de terroristas. De início, a pergunta que não quer calar: segurança nuclear está umbilicalmente ligada ao terrorismo? Em outras palavras, é mais importante tomar medidas de não-proliferação e desarmamento ou tomar medidas contra a posse de armamentos nucleares por facções terroristas? É a existência de armas nucleares que cria a expectativa de posse por parte de terroristas, e não uma vontade genuína por parte dos últimos de desenvolvê-las espontaneamente. Além do mais, nos registros da história, não há nenhum ataque nuclear conduzido por terroristas; no máximo, chegou-se ao emprego de armas químicas, como o episódio do gás sarin no metrô de Tóquio, em 1995.
Para além da questão do terrorismo, os holofotes da Cúpula voltam-se para o Irã. Tudo bem que não o convidaram para a reunião, assim como não convidaram a Coréia do Norte. A Ahmadinejad, só restou reclamar e cobrar ações da ONU, sobretudo uma investigação sobre as invasões ao Afeganistão e Iraque, os atentados de 11/09 – considerado por ele uma “grande mentira”– e o apoio ao terrorismo fornecido pelos Estados Unidos e OTAN. Enquanto isso, em Washington, 47 países definem a situação iraniana. Brasil e Turquia são contrários à adoção de novas sanções e optam pela negociação, já a China deu indícios de que apoiaria a posição norte-americana, mas hoje voltou atrás. A Alemanha cobra rapidez para pôr termo ao caso iraniano.
Estranhamente, Israel – país detentor de um vasto arsenal nuclear – não compareceu à reunião, já que está desgostosa com os Estados Unidos e sua posição contrária ao avanço dos assentamentos. Mas, do lado norte-americano, talvez as incoerências sejam mais gritantes. O país mal acabou de lançar sua nova estratégia nuclear, elevando o terrorismo ao topo de suas prioridades de segurança, e quer que o mundo faça o mesmo, como se vigesse uma verticalidade ampliada dos idos tempos da Guerra Fria nessa área sensível, agora com alcance global e não mais hemisférico.
Pior do que isso, os Estados Unidos não se comprometeram a não fazer o uso de armas nucleares; eles as usarão em circunstâncias extremas. E aí, Obama, será que de fato os “EUA estarão mais protegidos e o mundo será mais seguro”? Seria “um dia de progressos sem precedentes”? Ou estaríamos diante de uma velha fórmula norte-americana, acrescida de outras potências nucleares, que inspirou o TNP, “quem tem, tem, e quem não tem não pode ter”? Segurança é uma imposição e é sempre desarmar e culpar primeiro os outros – Irã, terrorismo. Permanecem as armas nucleares no limiar entre a improbabilidade da guerra e a impossibilidade da paz.
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Um pouco de fábula. Em 1932, durante uma Conferência de Desarmamento da Liga das Nações, o delegado espanhol Madariaga pediu permissão para narrar a seguinte fábula: “Os animais se reuniram para se desarmar. O leão, olhando de lado para a águia disse: ‘as asas têm de ser abolidas’. A águia, olhando para o touro, declarou: ‘os chifres têm de ser abolidos’. O touro, olhando para o tigre, disse: ‘as patas, e especialmente as garras, têm de ser abolidas’. O urso, por sua vez, disse: ‘todas as armas têm de ser abolidas; tudo o que é preciso é um abraço universal’.”
Que as comparações sejam bem-vindas!