
Com os olhos voltados (e não sem razão) para os protestos da comunidade islâmica ao redor do mundo contra o desastrado filme caseiro feito nos EUA que ofende a meio mundo (ou algo como um quarto dele), fica em segundo plano uma outra onda de protestos, um pouco menos violenta, mas que ocorre numa escala enorme e pode sim desembocar em algo mais sério. Quem presta atenção ao noticiário vai perceber que está havendo uma grande agitação na China, e parece que as relações entre o Império do Meio e o Japão estão azedando de vez.
Quando falamos no extremo Oriente, a disputa política e histórica não se restringe a China e Japão. As Coréias, Indonésia, e tantos outros países se envolvem em uma disputa histórica sobre territórios e reparações, com o passado de guerras e massacres que ocorreram por lá. Revanchismo é a palavra de ordem, e mesmo um punhado de pedras no meio do oceano como as ilhas Senkaku/Diaoyu gera uma discussão danada. O causo é que o Japão está com essas ilhotas, perto de Okinawa (ao sul da China, perto de Taiwan), e a China alega que são suas. O Japão “alugava” três dessas ilhas de uma família, e agora comprou oficialmente por alguns bilhões de ienes, o que gerou revoltas e protestos na China contra esse “ultraje” à soberania chinesa. Pra ver como a coisa tá feia, até mesmo Taiwan reclama soberania sobre o arquipélago.
Vez ou outra os países mandam navios pra região, e o problema é quando eles se encontram, justamente o que acontece agora, com China e Japão querendo mostrar quem tem soberania sobre as ilhas. Isso quando não são ativistas malucos (de ambos os lados) invadindo as ilhas e protestando com suas bandeiras. O resultado disso? Multidões nas ruas (o que é MUITO quando pensamos em China), depredação, ataques a carros de montadoras japonesas (até com relatos de motoristas agredidos gravemente) e mesmo o fechamento de fábricas no continente. A tensão é muito grande, e mesmo com a possibilidade de confronto sendo remota, não deixa de ser descartada. Se tem algo que pode servir de estopim para conflito, é justamente essa questão da soberania.
Tem uma racionalidade nisso tudo? Os governos se estapeiam por conta disso há anos, mas por que a população urbana chinesa está tão interessada na posse de umas ilhotas, sem qualquer valor estratégico (fora indícios vagos de reservas de petróleo e gás nas redondezas) e desertas desde a década de 1940? Como falei lá em cima, é um misto de revanchismo histórico a uma mentalidade de “não esquecer”. Livros escolares (tanto no Japão quanto na China) contam a história de massacres e ocupações ao seu modo, vilanizando ou suavizando o papel de cada país e trazendo pras novas gerações os traumas do passado. Não é uma questão de quem está certo ou errado, mas de como é percebido o “outro” – e a vontade (ou não) de deixar o passado, recente ou distante, para trás. A China e o Japão ensaiam aproximações há alguns anos, inclusive no campo militar. Há visitas diplomáticas e de alto escalão, anúncio de Livro Branco de Defesa (um documento que, explicando de modo bem simplista, mostra as intenções de cada país no setor de Defesa e serve geralmente para “acalmar” os vizinhos), entre outras coisas. Mas, basta um evento aparentemente despropositado (e pequeno) como esse para que as coisas voltem à estaca zero, e até mesmo retrocedam.
Não é impossível superar rivalidades históricas – pensem em Alemanha e França (que tiveram um passado tão ruim quanto, ou pior, que China e Japão). Mas parece que esses casos, com desejo de integração e benefícios comuns, são exceção no mundo moderno. As rixas são potencializadas pela capacidade de mobilização que a internet e outros meios propiciam, e no fim das contas, ninguém vai dar o braço a torcer. Fica a pergunta: a crise vai se escalando até o ponto sem retorno ou a diplomacia consegue esfriar as coisas até que a discussão volte à pauta sazonal? De todo modo, continua a ser notícia de rodapé com as embaixadas dos EUA nas manchetes.
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A Rússia finalmente ingressou de modo formal na Organização Mundial do Comércio (OMC). Por Rússia lê-se “mais produtos agrícolas e recursos naturais” que entrarão de maneira mais facilitada nos mercados internacionais. O fim das negociações que começaram em 1995, ano em que foi realizada em Genebra a primeira reunião do Grupo de Trabalho para discutir este tema, terminou provisoriamente no último mês de Julho, quando o presidente (sempre ele!) Vladimir Putin assinou o documento final de adesão aprovado por todos os membros da organização.
Mas foi ontem mesmo, dia 22 de Agosto, que a Rússia tornou-se o 156º membro da OMC! Normalmente, quando falamos de organizações e instituições internacionais, temos certo ceticismo aparente. Se perguntarem sobre o “poder” das Nações Unidas (ONU) perante os Estados Unidos, por exemplo, vamos balançar a cabeça de modo duvidoso e talvez nunca tenhamos uma resposta coesa para esta questão. E assim vai também em relação à União Europeia. Até que ponto podemos afirmar que os europeus do bloco abrem mão dos interesses dos seus países em prol de todos?
Talvez a única instituição que promove uma resposta mais simples seja a própria OMC. Digo isso porque ela é um exemplo de organização que deu certo e vem aumentando seu rol de ações mundialmente. Vale lembrar que ela substituiu o “General Agreement on Tariffs and Trade” (GATT) em 1995 após a Rodada Uruguai e desde então aumentou consideravelmente a pluralidade de temas debatidos nas reuniões. Como todo mundo sabe, a Rodada Doha, iniciada em 2001, ficou estagnada por um longo período, todavia isto não retira o mérito da OMC. Veja abaixo, com dados da própria OMC de 2005, as principais rodadas da organização:

Pois bem, e o que muda com a adesão da Rússia? Conforme disse nas primeiras linhas do texto, o país apresenta sua balança comercial baseada nas exportações de produtos agrícolas e minérios. Tem a maior reserva de gás natural do mundo, a segunda de carvão mineral e a oitava de petróleo. Em virtude do tamanho do território, exporta grandes quantidades de madeira e energia elétrica e possui intensa atividade na agricultura e pecuária. É visível como isso afetará o comércio mundial e nem precisamos de maiores explicações.
Entretanto, mais do que uma mudança na OMC, parece haver um forte câmbio econômico interno na Rússia. Ela teve que abrir mão de uma série de acordos bilaterais realizados na última década e também terá que rever suas tarifas aduaneiras de importação. A partir de ontem o país está obrigado a seguir as provisões da OMC e, em virtude disso, terá que aplicar uma tarifa de no máximo 7,8% para os produtos importados.
A meu ver, entusiasmando a OMC, creio que a entrada da Rússia trará benefícios a todos os países membros. A União Europeia já está dando pulos de comemoração, porque os russos são um dos seus principais parceiros comerciais. Reflexo dos novos tempos de certo “multilateralismo” nas relações internacionais. Pensar nesta conjuntura há cerca de 20 anos, logo após a queda da União Soviética (URSS), era algo praticamente utópico.
PS: Amanhã, 24 de Agosto, Vanuatu se tornará o próximo membro da OMC! É um estado insular da Melanésia, na Oceania, e depende bastante da Austrália e da Nova Zelândia. Seu território tem cerca de apenas 12 mil km². A Rússia, por curiosidade, é 1.400 vezes maior.
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