Faz algum tempo assisti um filme muito bom, chamado Ip Man (que no Brasil saiu como “O grande mestre”). Mais do que um excelente filme de kung-fu (que conta a história do mestre de Bruce Lee), é uma visão crua daquele período conturbado do final dos anos 30, quando o Japão invadiu parte da China até o final da Segunda Guerra. Nesse filme chinês, a visão dos japoneses não podia ser pior: são cruéis e trazem miséria e sofrimento. Quando pensamos do outro lado, em filmes japoneses os chineses são tacanhos ou traiçoeiros. A questão é que nenhum dos lados admite sua parcela de culpa em problemas do passado, e ao mesmo tempo não deixam de mostrar o “outro lado” com a pior imagem possível. Falamos disso inclusive há algumas semanas aqui no blog quando comentávamos sobre a questão das ilhas em disputa no mar da China.
E o que isso tem a ver com História? Bom, é a questão da parcialidade. Não é simplesmente tratar de revisionismo, como reconhecer os erros do passado ou pensar de um modo diferente, mas como o entendimento dos fatos é muito influenciado pela percepção de cada pessoa. E não são apenas eventos, mas também pessoas que entram nessa brincadeira. Vejam só o caso da morte do Hobsbawm, coisa recente. A polarização das reações foi impressionante, só havia praticamente dois tipos de comentários: os que endeusavam o autor como um dos maiores (se não o maior) pensadores do século XX, e os que festejavam a partida de mais um marxista maquiador de totalitarismos. Ao pensarmos na bibliografia de alguém, temos que pesar fatores como o contato, e o modo como foi reproduzida sua história particular. Ignorar as contribuições de um grande autor é tão lamentável quanto fazer vista grossa aos seus deslizes históricos – sendo que o “julgamento” sobre a vida de Hobsbawm acabou se confundindo com o de sua obra. Não estamos falando de buscar um meio-termo ou ficar em cima do muro, mas o fato é que objetividade é uma coisa complicada, e o ser humano tende a escolher “um lado”. É isso, inclusive, que os pensadores da Teoria Crítica defendem, que seria impossível “produzir” conhecimento sem subjetividade, mas isso é discussão pra outra hora.
E claro que isso afeta as relações internacionais. Na verdade, é uma via de mão dupla. Vamos voltar pro caso de China e Japão: essas rusgas históricas estão aí há anos, e não vão ter solução tão cedo (isso SE forem ter). Um monte de fatores determina a visão de cada lado, e é preciso uma mudança muito impactante para que algum deles reveja sua posição. A certeza é que a história influencia as ações dos agentes, e suas ações influenciam o “fazer” da história. Imaginem isso em escala mundial, com todos os eventos que afetam esse nosso mundo interligado. Qual vai ser a versão dos fatos atuais que ficará para o futuro? Nesse cabo-de-guerra, quem vai estar “certo”?
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